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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Trincheiras de medo em tempo de Natal..




É noite. Em meu redor, tudo explode em ruídos bombásticos que nos secam a voz.
Estilhaços atingem alguns dos meus companheiros, que gemem, escoando-se em sangue.
O som sibilante dos engenhos explosivos que caem, transformam-nos em ratos escondidos em tocas de pavor.

Entre nós, o silêncio é pesado, com excepção para o sofrimento que se perde entre os lábios gretados daqueles que jazem no chão enlameado.

O céu limpo, está semeado de estrelas.
Julgo executar um cântico de amor por entre a fraternidade involuntária que, desde há horas, une os soldados desta trincheira perdida em território inimigo.

Um murmura : - "É Natal....".

Relembro o badalar lento do relógio de sala de jantar da minha casa, o pinheiro iluminado, a lareira acesa...

Mais ou menos por esta hora, a minha mãe, envergando o seu melhor vestido, com uma gola de renda a rodear-lhe o pescoço, entrava e pousava a ceia na mesa por ela própria decorada. Esta, coberta pela toalha bordada com esmero, herança da avó, onde raminhos de bagas de azevinho alegravam o conjunto, maravilhava-nos a todos pelo que sobre si continha e pelo que para nós representava aquele ritual anualmente repetido.

O pai, muito solene, no seu colarinho engomado e gravata posta a rigor, dirigia-se para o seu lugar à cabeceira, começando então a refeição.

O silêncio era a forma por nós escolhida para saborearmos em plenitude os momentos deliciosos que antecediam a meia-noite. Esta mágica, surgindo do nada, transportava-nos a tempos longínquos, onde a injustiça já marcava o coração dos homens. E um deles, na sua condição assumida até às últimas consequências, conseguiria alcançar, através de constantes rasgos de coragem e abnegação, que a sua luta pelo amor e pela paz chegasse até aos nossos dias, senão na prática e acções de cada um, pelo menos na memória de muitos.

Olhando a estrela mais bela do firmamento celeste, encaro a minha condição de homem, também esquecida, também esmagada, nas secretárias dos senhores da guerra.

E a pontaria certeira dos archeiros do céu, provoca a explosão derradeira de uma pequena trincheira onde meia dúzia de homens, apáricos, sós, lembram vagamente o Natal.....

1 comentário:

  1. Mais um excelente post. Como sempre a imagem é muito boa esta simetria está perfeita. Bjs

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